Por Felipe Guerra dos Santos
Muitas empresas continuam reticentes a investir na adequação da LGPD, o que é, verdadeiramente, um enorme equívoco. Isso porque se trata de um investimento preventivo, que visa o tratamento de dados pessoais dos titulares, a fim de evitar o vazamento desses dados e possibilidade de aplicações de penalidades, que vão desde advertência, como multas elevadas a, também, responsabilização civil dos agentes de tratamentos por danos.
Além disso, investir em LGPD pode gerar créditos de PIS e COFINS para as empresas, uma vez que tais despesas poderão ser consideradas como insumos.
De fato, a não cumulatividade do PIS e da COFINS está prevista no artigo 195, § 12, da Constituição Federal, tendo sido regulamentada pelas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, e possibilita ao contribuinte creditar-se de valores correspondentes às aplicações das respectivas alíquotas sobre determinados custos, a fim de deduzi-los, posteriormente, da base de cálculo do PIS e da COFINS.
O artigo 3º das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 elenca as hipóteses de creditamento para dedução dos valores da base de cálculo. As referidas legislações trouxeram um rol das hipóteses em que o contribuinte pode tomar créditos de PIS e COFINS com despesas com insumos.
Todavia, considerando que as legislações são omissas em relação ao conceito de insumo, coube ao Poder Judiciário conceituá-lo. Diante disso, em 22.02.2018, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento do Recurso Especial (REsp) n. 1.221.170, sob a sistemática dos recursos repetitivos, ocasião em que se reconheceu a ilegalidade da restrição ao conceito de insumo constante das Instruções Normativas n. 247/2002 e n. 404/2004.
Assim, o STJ definiu insumo como toda despesa essencial ou, ao menos, relevante ao desenvolvimento da atividade econômica empresarial, para efeito de apropriação de créditos relativos ao PIS e à COFINS decorrentes da não cumulatividade dessas contribuições. O voto apresentado pela Ministra Regina Helena Costa no referido recurso evidenciou a necessidade de observância dos critérios da essencialidade ou relevância das despesas para que sejam classificadas como insumos.
Desse modo, nos termos do quanto decidido pelo STJ, vislumbramos ótimas chances de êxito no Judiciário na obtenção de créditos de PIS e COFINS com os custos incorridos pelas empresas na aquisição de ferramentas para o cumprimento das exigências da LGPD.
Isso porque, tendo em vista a imposição legal de adequação pelas empresas às diretrizes da LGPD, os gastos com tal observância obrigatória devem gerar créditos de PIS e COFINS.
Sobre este aspecto, aliás, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por meio da Nota SEI n. 63/2018/CRJ/PGACET/PGFN-MF, já expressou posicionamento oficial reconhecendo a condição de insumos para custos decorrentes de imposição legal, mencionado na Observação n. 01 o expresso entendimento da Ministra Regina Helena Costa: “[…] e os critérios de essencialidade e relevância estão esclarecidos no voto da Ministra Regina Helena Costa, de maneira que se entende como critério da essencialidade aquele que diz com o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou serviço, a) constituindo elemento essencial e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço ou b) quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência. Por outro lado, o critério de relevância é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja: a) pelas singularidades de cada cadeia produtiva b) seja por imposição legal.”
Assim como a PGFN, a própria Receita Federal tem considerado despesas obrigatórias como insumo. Exemplo disso é o Parecer Normativo Cosit n. 05, de 2018, que admite o direito a créditos de PIS e COFINS sobre gastos com Equipamento de Proteção Individual (EPI). Além disso, a Receita Federal também trata do tema na Solução de Consulta Cosit n. 01, de 2021, oportunidade em que considera insumo o tratamento obrigatório de efluentes na preparação do couro, e, ainda, na Solução de Consulta Disit n. 7.081, de 2020, quando abordou o gasto obrigatório com vale-transporte.
Desse modo, diante dessas circunstâncias, é possível a legítima arguição e efetiva comprovação de que os investimentos suportados pelas empresas para cumprimento obrigatório da LGPD podem assumir a condição de insumo para obtenção de créditos de PIS e COFINS.
Aliás, recentemente a Justiça do Mato Grosso do Sul reconheceu o direito ao crédito de PIS/Cofins sobre despesas com ferramentas para implementação e cumprimento das diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei n. 13.709, de 2018). Com o advento da referida lei, todas as empresas passaram a ser obrigadas a investir em ferramentas capazes de trazer segurança aos dados fornecidos por terceiros.
O debate não é novo pois, em outras ocasiões de obrigatoriedade ou imposição legal de determinada conduta, o contribuinte já teve seu direito admitido. É o caso do creditamento em função das aquisições de equipamentos de proteção individual, por exigência da lei de trabalho. De acordo com o CARF, por exemplo, “gera direito a crédito da contribuição não cumulativa a aquisição de equipamentos de proteção individual (EPI) e uniformes essenciais para produção, exigidos por lei ou por normas de órgãos de fiscalização.” (AC 3301-010.109, 27/04/21).
Na linha do STJ, o magistrado sul-mato-grossense destaca que “Tratando-se de investimentos obrigatórios, inclusive sob pena de aplicação de sanções ao infrator das normas da referida lei 13.909/218, estimo que os custos correspondentes devem ser enquadrados como insumos, nos termos do precedente acima citado. Com efeito, o tratamento dos dados pessoais não fica a critério do comerciante, devendo então os custos respectivos serem reputados como necessários, imprescindíveis ao alcance dos objetivos comerciais.” (JFMS. Processo 5003440-04.2021.4.03.6000).
Em função de mais este prognóstico positivo ao contribuinte, resultando em redução de PIS/COFINS a pagar pela empresa, recomenda-se que os contribuintes ingressem com ações junto ao Poder Judiciário, visando resguardar seu direito ao aproveitamento de crédito de PIS e COFINS quanto às despesas realizadas na aquisição de ferramentas que visam dar efetivo cumprimento às diretrizes da LGPD.
Felipe Guerra dos Santos é advogado tributarista da Roncato Advogados
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