Fraudes no INSS: o segurado também é protegido pelo Código de Defesa do Consumidor?

Por Juliana Pereira Cortes*

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é o órgão responsável pela concessão de benefícios previdenciários no Brasil, como aposentadorias, pensões, auxílios e benefícios por incapacidade. Milhões de brasileiros dependem dessa instituição para garantir sua subsistência e dignidade. No entanto, o crescente número de fraudes envolvendo o INSS tem colocado em risco os direitos dos segurados, que, por vezes, se veem vítimas de ações criminosas que geram consequências graves, como superendividamento, cobranças indevidas e até mesmo a suspensão do pagamento dos benefícios.

Recentemente, presenciamos um grande escândalo de abrangência nacional envolvendo descontos indevidos em benefícios previdenciários, realizados por associações não reconhecidas ou não autorizadas. Diante dessa realidade, surge um questionamento jurídico relevante: o segurado do INSS pode ser considerado um consumidor nos termos do Código de Defesa do Consumidor ( CDC)? Estaria ele protegido por esse diploma legal ao ser vítima de fraude ou falha na prestação do serviço? A resposta é sim.

Segundo dados da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, quase 500 mil reclamações por descontos indevidos foram registradas entre 2023 e 2024.

Com base nesse cenário, este artigo propõe uma reflexão sobre a interseção entre fraudes no INSS e o Direito do Consumidor, examinando como o CDC pode ser aplicado à relação entre o Estado e o cidadão nos casos de má prestação de serviços previdenciários.

Primeiramente, é importante situar você, leitor, sobre como essas fraudes são executadas na prática, para que possa identificar se isso está acontecendo com você ou com alguém próximo — e, assim, saber como se proteger e exigir seus direitos.

Descontos indevidos são valores subtraídos do benefício do aposentado sem sua autorização prévia. Em muitos casos, envolvem falsas associações, federações, ONGs ou entidades de classe, ou ainda adesões não autorizadas — e o consumidor sequer sabe para onde está indo o seu dinheiro.

É importante esclarecer que convênios com o INSS são legais. A ilegalidade está no desconto não autorizado no pagamento dos beneficiários do INSS.

O Acordo de Cooperação Técnica (ACT) do INSS com entidades de classe, previsto no art. 115 da Lei 8.213 e na regulamentação atual, estabelece que o desconto de mensalidades só pode ser realizado mediante expressa autorização do beneficiário.

Caso o titular do benefício não tenha autorizado o desconto, cabe exclusivamente à entidade envolvida a responsabilização administrativa, cível e penal, perante os órgãos de controle competentes e de defesa do consumidor.

As fraudes no INSS são, infelizmente, cada vez mais comuns. Entre os principais tipos, destacam-se:

Empréstimos consignados fraudulentos: realizados sem o consentimento do beneficiário, geralmente por correspondentes bancários ou instituições financeiras que utilizam dados vazados;

Descontos indevidos: descontos de entidades associativas privadas nas folhas de pagamento sem a devida autorização do beneficiário;

Desvios de valores de benefícios legítimos: por meio da troca de conta bancária ou manipulação de dados cadastrais;

Golpes por telefone ou aplicativos falsos: em que o fraudador se passa por servidor do INSS para obter informações sigilosas do segurado.

Tais práticas comprometem não apenas a integridade do sistema previdenciário, mas, principalmente, causam prejuízos concretos aos segurados, que se deparam com cobranças indevidas, bloqueios de pagamentos e necessidade de judicialização para reverter os danos.

A relação entre o segurado do INSS e as entidades associativas pode ser analisada sob a ótica da prestação de serviço, conforme previsto no artigo 14 do CDC.

Neste contexto, como a associação mencionada é uma entidade privada que presta serviços mediante o pagamento de mensalidades pelos associados, ela se enquadra na definição de prestadora de serviços, conforme previsto no artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor ( CDC). Ainda que sua atuação não tenha fins lucrativos, essa característica não a exime das obrigações legais previstas na legislação consumerista, permanecendo sujeita às responsabilidades previstas na prestação de serviços.

Portanto, nos casos em que há falha na segurança dos dados, ausência de controle dos contratos e das autorizações ou omissão na correção de erros, as associações respondem de forma objetiva, ou seja, independentemente de dolo ou culpa.

O papel do Direito do Consumidor

O Direito do Consumidor oferece ferramentas fundamentais para a proteção do segurado. Dentre elas, destacam-se:

Responsabilidade objetiva: o segurado não precisa provar culpa da Associação ou da Instituição Financeira — basta comprovar o dano e a relação com o serviço prestado;

Inversão do ônus da prova: conforme o artigo 6º, inciso VIII, do CDC, caberá à Associação ou à Instituição Financeira provar que houve autorização para o desconto ou para o empréstimo questionado;

Cancelamento da cobrança e devolução em dobro do valor cobrado indevidamente: de acordo com o artigo 42, parágrafo único do CDC, o consumidor tem direito à restituição do valor pago em excesso, em dobro;

Indenização por danos morais e materiais: garante-se ao segurado o direito de ser compensado pelos prejuízos sofridos, tanto financeiros quanto emocionais.

Vários tribunais têm reconhecido o direito dos segurados à reparação nos casos de empréstimos consignados feitos sem autorização ou de descontos indevidos, determinando o cancelamento da dívida e o pagamento de indenizações por danos morais.

Embora o INSS tenha adotado medidas de segurança, como o sistema Meu INSS, os cidadãos ainda estão expostos a golpes. Por isso, seguem algumas dicas preventivas importantes:

Consulte periodicamente o extrato de pagamentos e empréstimos no Meu INSS;

Solicite o bloqueio de empréstimos consignados se não tiver interesse em contratá-los;

Desconfie de ligações ou mensagens solicitando dados pessoais;

Registre boletim de ocorrência em caso de fraude e procure um advogado, defensor público ou órgão de defesa do consumidor;

Denuncie práticas suspeitas diretamente ao INSS, por meio do telefone 135 ou da Ouvidoria.

Além disso, os Procons, a Defensoria Pública e o Ministério Público têm atuado na defesa dos segurados em casos de abusos cometidos por associações, bancos e correspondentes.

As fraudes no INSS representam um problema grave que ultrapassa a esfera administrativa e atinge diretamente o cidadão comum, especialmente os mais vulneráveis. É preciso reconhecer que o segurado, quando vítima de falhas do sistema ou de fraudes facilitadas pela má gestão de dados, deve ser tratado como consumidor, com todos os direitos assegurados pelo Código de Defesa do Consumidor.

A aplicação do CDC nesses casos amplia a proteção jurídica dos segurados e fortalece a exigência por um serviço público mais eficiente, seguro e responsável. Em um país com tamanha desigualdade, garantir o respeito ao segurado é também garantir cidadania e dignidade.

Importante esclarecer que, de acordo com o Governo Federal, todos os aposentados e pensionistas do INSS que sofreram algum desconto de mensalidade associativa na folha de pagamento sem autorização terão os valores devolvidos.

Para solicitar a devolução, o beneficiário deverá fazer o pedido pelo aplicativo ou site Meu INSS, pelo telefone 135 ou em uma agência dos Correios. O consumidor também poderá formalizar a demanda no Procon da sua cidade e até mesmo ingressar com uma ação judicial para requerer, além do reembolso em dobro, indenizações pelos danos sofridos.

E lembre-se sempre: consumidor bem informado é cidadão respeitado!

Juliana Pereira Cortes – A autora deste artigo é advogada, pós-graduada em Direito do Consumidor, especialista em Conciliação e Mediação e membro da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB/SP.

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