*Por Priscila Ferreira
A recente decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a suspensão nacional de todos os processos que discutem a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas (pejotização), provocou intenso debate no meio jurídico, especialmente entre os profissionais da área trabalhista. A medida foi tomada no contexto do Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida (Tema 1.389), e visa suspender o andamento de ações sobre o tema até o pronunciamento definitivo da Corte.
A decisão atinge diretamente três aspectos centrais das relações de trabalho contemporâneas são elas: a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações que envolvam supostas fraudes na contratação de pessoas físicas por meio de pessoas jurídicas; a licitude da pejotização, em consonância com a ADPF 324, na qual o STF reconheceu a liberdade de organização produtiva e a a distribuição do ônus da provaem casos que questionam a validade das relações contratuais, especialmente quando há indícios de fraude.
Segundo o ministro Gilmar Mendes, há um quadro preocupante de conflito institucional entre a jurisprudência do STF – que tem validado, sob certas condições, a contratação via pessoa jurídica – e a atuação da Justiça do Trabalho, que frequentemente reconhece vínculo empregatício nas mesmas situações. Para o ministro, essa “resistência” da Justiça do Trabalho tem gerado insegurança jurídicae um aumento expressivo de ações judiciais, exigindo a intervenção do STF como instância revisora.
A suspensão dos processos tem caráter cautelar e foi determinada com base no artigo 1.035, §5º, do Código de Processo Civil. A medida busca uniformizar as decisões judiciais e resguardar a autoridade da Corte, sem, no entanto, antecipar qualquer juízo de valor sobre o mérito da controvérsia.
Há casos concretos em que a fraude na contratação é evidente, e a paralisação dos processos pode representar um retrocesso na efetividade da tutela dos direitos trabalhistas. Embora a segurança jurídica seja um valor essencial, ela não pode se sobrepor à função protetiva do Direito do Trabalho, que é historicamente voltado à preservação da dignidade do trabalhador diante da hipossuficiência nas relações contratuais.
A expectativa agora recai sobre o julgamento de mérito pelo STF, que terá o desafio de conciliar a modernização das formas de organização produtiva com os direitos sociais fundamentais assegurados pela Constituição. O equilíbrio entre a liberdade contratual e a proteção do trabalhador deve ser o norte dessa decisão, respeitando tanto a realidade econômica atual quanto os princípios históricos da Justiça do Trabalho.
Priscila Ferreira: Mestra em Direito do Trabalho pela PUC – SP, sócia do escritório Ferreira & Garcia Advogados e professora de Direito e Processo do Trabalho.