Desconsideração da Personalidade Jurídica e Consolidação Substancial: breves apontamentos sobre semelhanças e diferenças
A consolidação substancial de natureza impositiva está relacionada à existência de grupos econômicos, confusão patrimonial entre as diferentes sociedades desse grupo, é determinada pelo juízo e implica inclusão forçada de terceiros no feito na qualidade de litisconsortes.
Flávio Luiz Yarshell e Eduardo de Carvalho Becerra
A consolidação substancial de natureza impositiva está relacionada à existência de grupos econômicos, confusão patrimonial entre as diferentes sociedades desse grupo, é determinada pelo juízo e implica inclusão forçada de terceiros no feito na qualidade de litisconsortes. Esses mesmos contornos, impositividade e efeitos são também encontrados em um tipo específico de desconsideração da personalidade jurídica, a saber, aquela que envolve grupos econômicos (indireta/expansiva). Afinal, para essa modalidade de extensão da responsabilidade patrimonial se atinge grupo econômico em confusão patrimonial com vistas à inclusão de terceiro no polo passivo do feito. A similitude que parece existir entre os dois institutos (consolidação substancial impositiva e desconsideração da personalidade jurídica indireta-expansiva) pode ensejar dúvida, com potenciais riscos à coerência do sistema jurídico.
Contudo, para a desconsideração, em quaisquer de suas modalidades, o levantamento do véu societário ocorre porque uma ou mais pessoas jurídicas estão sendo utilizadas como instrumentos de fraude, a frustrar crédito de terceiro. Com efeito, coíbe-se o abuso de direito, de modo a desconsiderar a autonomia patrimonial utilizada para fins contrários à lei. Dentro desse raciocínio é que se poderia, na modalidade de desconsideração indireta-expansiva, estender a responsabilidade a empresas integrantes de um mesmo grupo econômico. O instituto tem nítida conotação sancionadora.
A consolidação substancial impositiva com mitigação da autonomia patrimonial das sociedades, a seu turno, ocorre em razão da imprescindibilidade de unificação patrimonial para o desenvolvimento da recuperação judicial – promovendo-se uma recuperação judicial unificada em todos os sentidos. A fraude, com frustração do direito de crédito de terceiros, não se coloca como um elemento nuclear desse tipo legal, que decorre de razões eminentemente pragmáticas associadas à grande dificuldade de separar, para fins de recuperação judicial, massas patrimoniais interligadas.
E quando a consolidação substancial não é impositiva, mas meramente negocial (isto é, aprovada pelos credores em deliberação), nem por isso a lógica do instituto se altera. Nesse caso, a necessidade de unificação patrimonial das empresas para fins recuperacionais tem intensidade diversa. Quando imprescindível, isto afeta diretamente o Estado-juiz e a consolidação é impositiva. Mas pode ocorrer que, mesmo não sendo necessária a unificação patrimonial, ela venha a beneficiar os credores e as próprias recuperandas – daí porque se possibilita também sua adoção consensual[1], quando não for o caso de adotá-la impositivamente.
Os bens jurídicos tutelados pela consolidação substancial são, portanto, economia e eficiência. A interligação intensa entre empresas de um mesmo grupo é, sim, fator que indica intrínseca confusão patrimonial e a confusão patrimonial, por sua vez, é mencionada no art. 50 do CC como uma das possíveis hipóteses autorizadoras da desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, como dito, a confusão patrimonial para fins de consolidação substancial é apenas considerada como um dado objetivo (interligação entre empresas), mas não como um mecanismo para frustrar créditos de terceiro. A comunhão patrimonial de que trata a consolidação substancial não é um estratagema para blindagem patrimonial. Pelo contrário, quando se fala em consolidação substancial, a situação patrimonial é “do conhecimento pelos terceiros contratantes da referida situação”. Daí se extrai que os dois institutos, portanto, são essencialmente diferentes.
Diversas projeções ocorrem a partir dessa diferença basilar, notadamente relacionadas à iniciativa (a consolidação pode ser decretada ex officio, a desconsideração não), natureza da medida (consolidação que é mera integração de litisconsórcio, desconsideração que tem natureza de ação), processo (a consolidação se desenvolve dentro dos próprios autos da recuperação, a desconsideração por incidente autônomo), limites da cognição (consolidação que não amplia cognição referente aos débitos, desconsideração que permite discussão sobre formação do débito) e efeitos da decisão (consolidação que implica ampliação do polo ativo, desconsideração que amplia o polo passivo do processo subjacente em que se pleiteia o crédito).
Esses são alguns, sem pretensão de esgotamento da análise, dos relevantes aspectos práticos que particularizam os dois institutos; o que só confirma a existência de diferença essencial entre eles.
*Sócios do Yarshell Advogados