Por Amanda Cunha*
O direito aos alimentos não se limita à sobrevivência
O art. 1.694 do Código Civil é claro: os alimentos devem ser fixados conforme as necessidades do alimentando e as possibilidades do alimentante. A interpretação sistemática desse dispositivo, aliada ao art. 227 da Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente, conduz à conclusão de que a pensão não se restringe ao “mínimo existencial”.
Falar em “sustento e estudo” apenas, como se bastasse pagar comida e escola, é reduzir o direito dos filhos a uma vida aquém daquela que teriam se vivessem sob o mesmo teto do alimentante.
O padrão de vida do alimentante é parâmetro obrigatório
O STJ e diversos Tribunais de Justiça já consolidaram entendimento de que o padrão de vida da criança deve acompanhar o padrão do alimentante. Se o genitor desfruta de viagens internacionais, carros de luxo, restaurantes requintados e moradia em áreas nobres, não é legítimo relegar o filho a um padrão modesto sob a falácia de que “criança não precisa disso”.
A necessidade não é absoluta: é relacional. A criança precisa viver de forma proporcional à realidade social e econômica da família. Não se trata de “capricho”, mas de isonomia material e proteção integral.
O argumento falacioso: “criança não gasta isso”
Esse discurso desconsidera que:
- A pensão não cobre apenas gastos diretos, mas também a estrutura necessária para garantir qualidade de vida;
- O dever de sustento não é limosna, mas um compromisso jurídico e moral do genitor;
- “Necessidade” é conceito dinâmico: inclui alimentação, saúde, educação, cultura, lazer, viagens, segurança e, sim, o conforto compatível com o poder econômico dos pais.
Negar isso é negar que o filho tem direito a usufruir do mesmo patamar de bem-estar que o alimentante construiu para si.
A seletividade da paternidade responsável
Quando o alimentante ostenta carros importados, participa de festas de alto padrão, compartilha nas redes sociais viagens luxuosas, mas no processo judicial alega que “o filho não precisa de tanto”, evidencia-se a contradição moral e jurídica. O filho não pede mais do que lhe é de direito: pede apenas que a paternidade ou maternidade seja exercida de forma plena, com responsabilidade e justiça.
A jurisprudência não deixa dúvidas
O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente decidido que os alimentos devem ser fixados de forma a garantir não só o sustento, mas também a preservação do padrão de vida da criança, sob pena de violação da dignidade humana. O filho não é de “segunda classe” em relação ao pai ou mãe abastados.
Conclusão
A retórica do “criança não gasta isso” é mais do que juridicamente insustentável: é uma tentativa de transformar a obrigação legal em esmola, e a dignidade da criança em uma conta de supermercado.
O dever alimentar vai além de encher a geladeira ou pagar a mensalidade escolar. Ele assegura que a criança cresça, se desenvolva e participe da vida social em igualdade com a realidade econômica do seu genitor.
Negar isso é negar a própria essência da paternidade responsável.
*Amanda Cunha é advogada, fundadora do escritório Amanda Cunha Advocacia Especializada, Relatora da Comissão de Ética OAB/RJ – São Gonçalo, Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito do Consumidor, Pós-Graduanda em Direito Digital.