Por Claudio Mitsuichi
A partir do momento que utilizamos meios eletrônicos para formalizar suas operações econômicas (sem papel), essa formalização digital poderá ser realizada através de contratos eletrônicos.
O tema contratos eletrônicos, apesar de presente diariamente na vida dos brasileiros (por ex.: contratos de TV à cabo, telefonia, compra e venda de mercadorias via internet), carece de legislação específica que os regulamente e, portanto, a eles são aplicadas as normas gerais contratuais e de negócios jurídicos previstas no Código Civil[1].
Assim, como qualquer negócio jurídico, os contratos eletrônicos devem ser analisados sobre o: a) plano da existência; b) plano da validade; e c) plano da eficácia. Nesse passo, os contratos eletrônicos também devem ser analisados sob essas 03 (três) óticas. Simplificadamente, os requisitos essenciais à formação de um negócio jurídico são: a) sujeito capaz; b) objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e c) forma da exteriorização da vontade livre.
Já pela legislação civil, os contratos eletrônicos não são vedados, uma vez que não exige a lei alguma forma especial. “A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir”, nos termos do art. 107 do Código Civil[2]. Por exemplo, o contrato de compra e venda de um smartphone não precisa ser celebrado de forma solene (usualmente utilizam contrato eletrônico), diferente do que ocorre com a compra e venda de um bem imóvel, na medida em que a lei (art.108, Código Civil[3]), exige que sua formalização seja através de escritura pública.
Lembramos, ainda, que os contratos eletrônicos também podem assumir a forma de contratos de adesão, na medida em que os fornecedores/prestadores de serviços já oferecem aos consumidores contratos prontos e sem possibilidade de discussão de suas cláusulas. Nesse ponto, a questão que deve ser observada é o de estarem presentes nestes contratos eletrônicos todos os requisitos de validade desse tipo contratual, especialmente os previstos na legislação consumerista (Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor e posteriores alterações).
Assim, salvo casos específicos em que a lei impõe essa “forma especial”, desde que observados os requisitos do art.104 do Código Civil, os contratos eletrônicos são existentes, válidos e eficazes. Sendo que essa existência, validade e eficácia já foram reconhecidas judicialmente em reiteradas decisões de todos os Tribunais do país.
Um ponto importante sobre a utilização de contratos eletrônicos, é o impacto que esses documentos trarão em caso de inadimplemento de um dos contratantes e, consequentemente, nas medidas judiciais que poderão ser tomadas pelas partes signatárias.
Os contratos eletrônicos com assinatura digital por entidade credenciada à ICP-Brasil, nos termos da MP 2200-2/01, detêm presunção de veracidade em relação aos signatários e, portanto, são tidos como títulos executivos extrajudiciais. Diante desse cenário, para “cobrar” dívidas oriundas desses instrumentos, a parte lesada poderá optar pela ação de execução de título extrajudicial, uma ação muito mais célere, visto a desnecessidade de produção de provas (basta o título/contrato) e, consequentemente, com menor custo de transação.
Já os contratos eletrônicos sem essa assinatura digital por entidade credenciada à ICP-Brasil, a princípio, não gozam de presunção de veracidade em relação aos signatários, assim, não são tidos como títulos executivos extrajudiciais, sendo essa a posição majoritária de nossos Tribunais. Diante desse cenário, para “cobrar” dívidas oriundas desses instrumentos, a parte lesada deverá optar por ações de conhecimento (monitória ou cobrança), mais complexas e demoradas, visto a necessidade de se comprovar a origem da dívida cobrada (constituindo-se, ao final, título executivo judicial – líquido, certo e exigível) e, consequentemente, com maior custo de transação.
Contudo, em recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, prolatada pela 31ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP[4], este reconheceu como título executivo extrajudicial um contrato eletrônico sem essa assinatura digital por entidade credenciada à ICP-Brasil, baseando esse reconhecimento no fato de que: (i) o contrato continha norma expressa que autoriza e validava a utilização de assinatura digital por outro meio que não o através de entidades credenciadas à ICP-Brasil), sendo possível, portanto, confirmar e validar a autoria e integridade do documento eletrônico gerado e assinado; (ii) continha norma expressa que o elegia como título executivo extrajudicial; e (iii) somando-se a esses dois requisitos, foram apresentados no processo efetiva demonstração/comprovação do negócio jurídico regulado pelo contrato e o seu inadimplemento por umas das partes.
Assim, contratos eletrônicos com assinatura digital por entidade credenciada à ICP-Brasil e assinatura ou aceite eletrônico por meios diversos, atualmente são instrumentos jurídicos hábeis a formalizar operações econômicas e mitigar os riscos do negócio para as partes, mas desde que corretamente pensados e elaborados.
[1]Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
[2]Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
[3]Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
[4]Agravo de Instrumento nº 2132753-86.2020.8.26.0000