Por Daniel Jorge Cardozo e Milena Dalmolin
A inclusão dos parágrafos 7-A e 7-B ao artigo 6º na Lei 11.101/2005 (“LREF”) pela Lei 14.112/2020 disciplinou a questão dos atos constritivos em desfavor de empresas que se encontram na situação de recuperação judicial.
Enquanto o parágrafo 7-A versa sobre os créditos de natureza extraconcursal, o parágrafo 7-B dispõe acerca das execuções fiscais, as quais de igual modo não se sujeitam à recuperação judicial e podem ter seu andamento concomitante. Neste caso, eventuais constrições que recaiam sobre bens de capital essenciais à atividade da empresa recuperanda, devem ser analisados e decididos pelo juízo da recuperação judicial, que preserva sua competência para determinar a substituição destas penhoras, até o encerramento da recuperação judicial.
Aqui, a competência do juízo da recuperação judicial se fixa para determinar a substituição do ato constritivo sobre um bem essencial, para outro que não guarde relação com a essencialidade da atividade. Porém, ainda que seja do juiz da recuperação judicial a competência para tal análise, de forma que o êxito do processo recuperacional não seja comprometido pela constrição da execução fiscal, já se observa na jurisprudência um movimento em que o próprio juízo da execução fiscal vislumbra o prejuízo e obsta o ato constritivo.
É o que se evidencia no julgamento do Agravo de Instrumento nº 3004000-60.2021.8.26.0000 , em que restou consignado que “peculiaridades do caso concreto evidenciam, ao menos neste momento processual, que a medida de constrição relativa à quantia significativa pode frustrar plano de recuperação judicial e comprometer a existência da empresa executada”.
Importante observar que a redação do parágrafo 7-A coloca a competência do juiz da recuperação judicial para suspender os atos constritivos sobre bens essenciais, enquanto perdurar o denominado ‘stay period’ (artigo 6º, parágrafo 4º da LREF), enquanto no caso disciplinado pelo parágrafo 7-B, a competência se mantém até o encerramento da recuperação judicial – o que, pela regra do artigo 61 da LREF, acontecerá em até 02 (dois) anos após a concessão da recuperação judicial, período este que poderá ser estendido ou reduzido pelo juízo ou por convenção com os credores, através de votação na Assembleia Geral de Credores.
As discussões e divergências se afloram, pois no momento em que o dispositivo legal faz referência a “bem essencial” e a impossibilidade de constrição sobre os mesmos, com o fito de preservar a atividade , a doutrina e jurisprudência deliberadamente excluem dinheiro deste conceito , mesmo sendo este o principal ativo de uma empresa (permite o pagamento da folha salarial e dos fornecedores, a compra de matéria-prima, o custeio das despesas correntes, etc).
Com isso, cria-se o impasse, pois em determinadas situações (e por isso a importância da análise do caso concreto), permitir a penhora do dinheiro é desencadear uma série de consequências que colocam em risco justamente o que o legislador pretendeu proteger: a atividade da empresa. Imagine-se, por exemplo, o atraso na folha salarial, que culmina em eventual paralisação da produção, retarda a entrega dos pedidos e prejudica o faturamento. Se a empresa já se encontrar em fase de cumprimento do plano de recuperação judicial e não puder contar com o faturamento esperado para quitar a parcela do plano, há o risco de descumprimento e, infelizmente, da falência .
É, portanto, mais do que necessária a análise ponderada, equilibrada e condizente à realidade da empresa, realizada pelo juiz que conhece todo o trâmite recuperacional, pois uma vez que cada empresa tem suas particularidades, não há receita pronta que sirva à todas elas. Isso fortalece o processo de recuperação da empresa, minimiza os riscos de uma falência e maximiza as chances de êxito e superação da crise, o que reverte em benefício da coletividade de interesses que gravita em torno da empresa recuperanda.
Ainda, o Fisco já é beneficiado com a possibilidade de que suas execuções sigam tramitando , embora a empresa esteja em recuperação judicial. Permitir-lhe que além disso possa constringir valores da recuperanda pode levar à empresa a ficar “refém” do ente. Não se nega o interesse público por trás do crédito fiscal, mas também é verdade que há manifesto interesse público na manutenção da atividade da empresa recuperanda, e por isso o juízo de ponderação e a análise detida sobre o caso concreto, são a melhor saída para estes casos.