- Victor Hugo Siqueira Lottermann, Advogado do Escritório Amaral e Puga, especialista em processo civil e segurança pública.
Há falta de interesse da União em recorrer em temas de repercussão geral na área tributária?
A orientação para que não seja feito o recurso surge dividida em três situações:
- Decisões respaldadas em súmulas vinculantes ou que sejam decorrentes de julgamento proferido em sede de controle concentrado de constitucionalidade;
- Decisões oriundas de julgamentos realizados nos moldes dos artigos 1.036, §1º do Código de Processo Civil;
- Decisões do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, mas não realizados nos moldes do artigo 1.036 do Código de Processo Civil.
A interpretação à primeira situação (item 1) não requer muito estudo, em decorrência da qualidade da força que emana dos precedentes formados em sede de controle concentrado de constitucionalidade e das Súmulas Vinculantes (artigos 102, §2º e 103-A, ambos da Constituição Federal) vinculadas a todos os órgãos da Administração Pública de irem contra tais decisões do judiciário, quais sejam, apresentação de recursos, contestações, impugnações.
Diversamente, maiores dificuldades exsurgem ao se buscar definir a postura a ser adotada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional caso ela esteja diante de decisão judicial desfavorável à Fazenda Nacional, proferida em consonância com os precedentes judiciais de que tratam os itens 2 e 3, uma vez que ostentam força apenas persuasiva, e não vinculante.
A fim de melhor evidenciar o tema, iniciemos pelo item 2. Conforme exposto, esses precedentes oriundos do artigo 1.036 do Código de Processo Civil não estão submetidos a sistemática vinculante, tendo, assim, apenas a força persuasiva. Por isso, a PGFN é mais cautelosa com as orientações nesses casos, uma vez que os recursos interportos contra decisões baseadas nesta sistemática tem chances reduzidas de êxito, fadados ao insucesso, fazendo com que esses recursos ostentem pouca ou nenhuma utilidade prática.
Logo, é possível concluir que no caso tributário é muito improvável alterar o entendimento dos Tribunais Superiores, sendo prudente da parte dos procuradores não recorrer, pois o caso não tem mais o interesse da União, já que esse recurso se mostra sem utilidade.
“para que o recurso seja admissível, é preciso que haja utilidade – o recorrente deve esperar, em tese, do julgamento do recurso, situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que aquela em que o haja posto a decisão impugnada”[1]
Ou seja, não se pode dizer, ao menos não tecnicamente, que a parte não possui interesse recursal porque antevê que, provavelmente, seu recurso será improvido e faz com que a PGFN não possua interesse prático no recurso. De fato, a adoção da postura ora sugerida se encontra pautada em uma série de vantagens ou benefícios práticos, para todas as partes.
Em relação ao item 3, a apresentação, ou não, de recursos contra decisões proferidas em consonância com precedente judicial, oriundo do STF/STJ, mas não formado nos moldes do artigo 1.036 do Código de Processo Civil, apresentam força persuasiva menor. Com isso, é difícil afirmar, com segurança, se os recursos interpostos nesses casos terão êxito ou não.
“Com efeito, ainda que pacífica a jurisprudência, no âmbito do Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em torno de determinada questão jurídica, não há parâmetros suficientemente seguros para se afirmar se ela tende, ou não, a ser alterada por esses Tribunais Superiores, ou mesmo seguida pelos órgãos jurisdicionais inferiores; relembre-se, aqui, o que se disse anteriormente acerca da instabilidade dessa jurisprudência, bem como da sua reduzida força persuasiva. Exatamente por isso, não há como saber, de antemão, até que ponto se revelaria útil a interposição de recursos, por parte da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, contra decisões proferidas em consonância com essa jurisprudência, eis que inúmeras circunstâncias, imprevistas e imprevisíveis, poderão influir no resultado do julgamento desse recurso.
Na hipótese ora tratada, não se pode afirmar que a PGFN não possui interesse prático em continuar recorrendo, já que não se pode antever se a adoção dessa postura traria, para a própria instituição, para a Fazenda Nacional e, reflexamente, para a sociedade, mais vantagens do que desvantagens.
Assim, especificamente em resposta à questão objeto deste item, sugere-se o seguinte:
- Que a PGFN continue interpondo recursos ordinários (apelação, agravo de instrumento etc.) contra decisões judiciais, contrárias à Fazenda Nacional, proferidas em consonância com precedentes judiciais, oriundos do Supremo Tribunal Federal/ Superior Tribunal de Justiça, mas decorrentes de julgamentos não realizados na forma dos artigo 1.036 do CPC (ainda que se trate de jurisprudência reiterada e pacífica);
- Que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional não mais interponha RESP/RE contra acórdãos proferidos (pelos Tribunais Regionais Federais ou pelo Superior Tribunal de Justiça) em consonância com jurisprudência reiterada e pacífica do Supremo Tribunal Federal e do Supremo Tribunal Federal;
- Que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional não mais interponha agravo regimental contra decisões monocráticas de Relator (dos Tribunais Regionais Federais, do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal) que, com respaldo em jurisprudência reiterada e pacífica do Supremo Tribunal Federal/STJ, adotada pela respectiva Turma, neguem seguimento a recursos;”[2]
Conclui-se, então, que nesse ponto a PGFN age de forma diferente das outras situações apontadas. Aqui ela realiza análise caso a caso, tese por tese, e dentro desses temas há centrais dentro da Procuradoria responsáveis por divulgarem periodicamente os casos em que não é necessária adoção de recursos.
Vale trazer breve observação sobre a Lei 10.522/2002, em especial sobre as situações de modulação de efeitos (Embargos de Declaração pendentes) em especial na área tributária. A ideia por trás do instituto é a prevalência do interesse público em face de efeitos que a eventual decisão possa causar. Justifica-se, ainda, a sua aplicação em razão de excepcional interesse social. Ou seja, a 10.522/2002 traz em seu artigo 19 diversas situações em que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional fica dispensada de contestar, oferecer contrarrazões e de interpor recursos.
Porém, há uma situação importante de mencionar, o pedido de modulação feito diversas vezes pela PGFN. O instituto não é novo, conforme comenta o Dr. Henrique Ratton:
“Encontra-se positivado no artigo 27 da Lei nº 9868/99, que prevê que o Supremo Tribunal Federal (STF) terá a opção de declarar a inconstitucionalidade apenas a partir do trânsito em julgado da respectiva decisão ou de outro momento que venha a ser fixado. Por sua vez, o Novo Código de Processo Civil também previu, em seu artigo 927, §3º, a hipótese de modulação de efeitos trazida em caso de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores. Apesar de a modulação de efeitos ser medida excepcional a ser apurada no caso concreto, quando se trata de direito tributário ela é quase certa, de modo que, por vezes os contribuintes acabam “ganhando, mas não levando”[3].
Ora nestas ocasiões é perfeitamente cabível recursos e contestações por parte da PGFN, pois, há em aberto a possibilidade de modificação do precedente. Sendo assim, são poucas as teses com precedentes ratificados e modulados.
Assim conseguimos ver todo o trabalho e zelo que a PGFN vem tendo para dar mais celeridade e com isso economia para todos quem fazem parte do processo. O respeito para com os precedentes vinculantes é uma grande vitória para o Processo Civil em especial no Direito Tributário, fazendo com que tenhamos segurança jurídica para os contribuintes.
[1]DIDIER JR., Fredie Curso de Processo Civil, Vol. 3, Ed. Jus Podivm, 2008, p. 51.
[2] Parecer PGFN/CRJ/Nº 482/2010. p. 21.
[3] DE ANDRADE, Henrique Ratton Monteiro. Modulação de efeitos em matéria tributária. 2021. Disponível em: https://portugalvilela.com.br/modulacao-de-efeitos-tributario/ Acesso em: 20 de dezembro de 2021.