Emile Silvestre de Castro Ezequiel
Sua empresa tem enfrentado um volume crescente de ações judiciais que parecem seguir um padrão genérico, sem qualquer adaptação às particularidades de cada caso? Esse fenômeno tem nome: litigância predatória.
A chamada litigância predatória acontece quando o direito de entrar com um processo é usado de forma indevida, com o objetivo de conseguir alguma vantagem que, na prática, não é cabível. Isso acaba sobrecarregando o Poder Judiciário com ações que muitas vezes são baseadas em alegações fracas ou até mesmo forjadas — os famosos “tiros no escuro” jurídicos.
Esse tipo de situação cresceu bastante nos últimos anos, principalmente por conta da banalização do uso do Código de Defesa do Consumidor. O que se vê são processos abertos apenas com base no fato de alguém ser consumidor, como se isso por si só garantisse algum tipo de indenização, mesmo sem provas reais de dano ou respaldo legal.
Um dos traços mais comuns nesse tipo de ação é o pedido de gratuidade de justiça, com a justificativa de que o autor não tem condições financeiras para pagar os custos do processo. Na prática, esse modelo virou um verdadeiro negócio bilionário, especialmente em ações ligadas ao direito do consumidor.
Grandes redes varejistas e instituições financeiras são os principais alvos, já que atendem milhares de pessoas diariamente. Mas o problema também atinge outros setores, como operadoras de telefonia, seguradoras e companhias aéreas, que lidam com ações repetitivas e, muitas vezes, abusivas ou até fraudulentas.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os tribunais vêm observando que esse tipo de processo costuma ser superficial, feito só para ganhar tempo ou, em alguns casos, totalmente fictício. Um estudo do Tribunal de Justiça de Minas, baseado em dados do Ipea divulgados em abril de 2022, estimou que esse tipo de demanda gera um custo de R$ 12,7 bilhões por ano ao Judiciário brasileiro.
Diante desse cenário, tribunais como o TJ de São Paulo passaram a adotar medidas mais rígidas, como deixar de presumir automaticamente que a parte não tem condições de pagar o processo (a chamada hipossuficiência) e exigir provas de que realmente não pode arcar com os custos para conceder a gratuidade. Também foram criadas regras para evitar que ações sejam divididas de forma artificial ou que o sistema seja usado de maneira abusiva. Em casos de má-fé, o autor da ação pode ser responsabilizado e até penalizado.
Atualmente, não é raro ver no Instagram e outras redes sociais escritórios e advogados autônomos incentivando esse tipo de prática — alguns chegam a “vender” fórmulas mágicas para conseguir indenizações rápidas, usando modelos prontos de ações.
Essa banalização do acesso ao Judiciário tem preocupado cada vez mais os operadores do Direito, já que existe uma linha muito tênue entre o legítimo exercício do direito de ação — que é uma garantia constitucional — e o uso abusivo desse direito, caracterizado pela litigância predatória.
Diante disso, é importante lembrar que existem outras formas de resolver conflitos, muitas vezes mais rápidas, eficazes e responsáveis. Antes de judicializar, o ideal é tentar soluções administrativas, como entrar em contato com o Serviço de Atendimento ao Cliente da empresa, buscar atendimento via redes sociais, ou ainda recorrer a órgãos como o PROCON, que atuam diretamente na defesa do consumidor.
Além disso, para que o sistema jurídico não seja sobrecarregado e os conflitos possam ser resolvidos de forma mais saudável, as empresas também têm um papel fundamental. É essencial que invistam em canais eficientes de atendimento e resolução administrativa de problemas, com protocolos claros, prazos razoáveis para resposta e, principalmente, um atendimento mais humanizado. Muitos consumidores acabam buscando a Justiça porque se sentem ignorados ou frustrados ao lidar apenas com atendimentos automatizados e impessoais. A pessoalidade no atendimento, o respeito ao tempo do cliente e a atenção às demandas específicas de cada caso são fatores que fazem toda a diferença — e podem evitar que um simples mal-entendido vire um processo judicial.
Ainda há muito a ser debatido, especialmente no que se refere às penalidades aplicáveis ao uso indevido do Poder Judiciário. É fundamental que todos nós contribuamos para o seu correto funcionamento. No entanto, seguimos confiantes de que em breve teremos avanços positivos nessa questão.
Emile Silvestre de Castro Ezequiel – advogada da área de Contencioso e Processo Civil do Ciari Moreira Advogados
