Por João André Buttini de Moraes e Amanda Nadal Gazzaniga
Como é de conhecimento notório, no último dia 05 de janeiro de 2022 foi publicada a Lei Complementar nº 190, a qual regulamentou a cobrança do diferencial de alíquotas do ICMS (Difal), em decorrência do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1093, no qual foi declarada a inconstitucionalidade do ICMS-Difal nas operações destinadas a consumidores finais não contribuintes ante a ausência, até então, de regulamentação por Lei Complementar.
Embora o objeto do Tema 1093 tenha sido apenas o ICMS-Difal nas operações destinadas a consumidores finais não contribuintes, a LC 190 promoveu diversas outras alterações na Lei Kandir que terão relevante impacto econômico e prováveis inconstitucionalidades, que certamente serão levadas à apreciação do Poder Judiciário e poderão se tornar “teses filhotes” do Tema 1093.
Uma delas foi a regulamentação do ICMS-Difal nas operações interestaduais com ativo imobilizado e bens para uso ou consumo destinados a contribuinte do imposto, determinando, nesse caso, que o recolhimento deve ser realizado pelo adquirente destas mercadorias. A medida eleva o custo dos investimentos em ativos e o custo de produção.
Apesar de alguns Estados já cobrarem anteriormente o ICMS-Difal sobre estas operações, o fato da LC 190 ter alterado a Lei Kandir para incluir somente a partir de agora a regulamentação dessa tributação evidencia que a incidência não havia sido regulada anteriormente por Lei Complementar.
Desse modo, é flagrante a inconstitucionalidade da cobrança antes da publicação da LC 190, ainda que exista lei estadual vigente exigindo o imposto em data anterior. Essa nova regulamentação provavelmente ampliará o contencioso judicial sobre o ICMS-Difal, já que o contribuinte (neste caso, o adquirente das mercadorias) poderá requerer a restituição do tributo pago indevidamente.
Nesse sentido, ressalta-se que, embora se espere desfecho semelhante ao do Tema 1093, o ICMS-Difal relativo às aquisições de ativos e bens para uso e consumo não foi objeto deste julgamento, de modo que não se aplica a ele a modulação dos efeitos imposta pelo STF, facultando ao contribuinte a restituição relativa aos períodos pretéritos.
Ademais, essa nova tributação também está sujeita à anterioridade anual, de modo que, como a LC 190 foi publicada em 2022, o imposto só poderá ser cobrado pelos Estados a partir de janeiro de 2023. No entanto, como a LC 190 determinou que a tributação será exigida a partir de abril de 2022, a aplicação da referida anterioridade anual também deverá ser definida pelo Poder Judiciário, no mesmo sentido das diversas ações recentemente ajuizadas após a edição da LC 190 relativas à incidência do ICMS-Difal nas operações destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto.
Além de todas essas controvérsias, a LC 190 também passou a permitir expressamente a inclusão da alíquota interna do imposto em sua própria base de cálculo, metodologia usualmente denominada de “base dupla”. Assim, novamente objetiva-se a cobrança de tributo sobre tributo, e provavelmente teremos mais uma “tese filhote” da “tese do século” (Tema STF 69, relativo à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS).
No Estado de São Paulo, todas essas alterações promovidas pela LC 190 também foram instituídas pela Lei Estadual nº 17.470, de 13/12/2021, que entrará em vigor em abril de 2022, em razão da publicação do Comunicado CAT 02/2022, data a partir da qual o Estado passará a cobrar o ICMS-Difal dos adquirentes de ativo imobilizado e bens para uso e consumo, além da “base dupla” sobre todas as operações sujeitas ao Difal, em que pesem as evidentes inconstitucionalidades dessas exigências.