A equiparação salarial como direito das mulheres
Ao longo da história do Brasil, os direitos das mulheres frequentemente enfrentaram árdua batalha para serem conquistados. Um exemplo emblemático é o direito ao voto, assegurado somente com a promulgação da Constituição de 1934. Esse marco, considerado pelo ex-ministro do STF Celso de Mello como um divisor de águas na evolução do constitucionalismo brasileiro, representou um passo crucial na luta pela igualdade de gênero.
Anthony de Oliveira Braga, advogado da área trabalhista da Lassori Advogados
Ao longo da história do Brasil, os direitos das mulheres frequentemente enfrentaram árdua batalha para serem conquistados. Um exemplo emblemático é o direito ao voto, assegurado somente com a promulgação da Constituição de 1934. Esse marco, considerado pelo ex-ministro do STF Celso de Mello como um divisor de águas na evolução do constitucionalismo brasileiro, representou um passo crucial na luta pela igualdade de gênero.
Foi necessário um esforço legislativo e uma força popular incessante para que outros direitos fossem conquistados, ainda que certas desigualdades possam ser observadas até os dias de hoje.
A evolução do direito do trabalho como justiça de pacificação social remonta desde seu texto originário a vedação de desigualdades com base no gênero do trabalhador, prevendo o artigo 461, da CLT, na versão original de seu texto que “sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá, igual salário, sem distinção de sexo”. Ou seja, desde a promulgação do texto celetista, já existia um esforço, ainda que discreto, que pretendia mitigar as disparidades salariais com base no gênero do trabalhador.
Ainda no enfoque constitucional, a Carta de 1988 apontou como direito fundamental licença à gestante, com garantia de emprego e salário. Assim, o mercado profissional não mais poderia dispensar a mulher quando do retorno de seu afastamento, tratando-se efetivamente de um direito fundamental mínimo, que prestigia o nascituro e salvaguarda seus interesses.
Ainda que o avanço tenha sido positivo, os efeitos práticos são tímidos. Em levantamento realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2015, por exemplo, considerando uma média mundial, as mulheres recebiam o equivalente a 77% dos salários dos homens. Já de acordo com relatório do IBGE, a mulheres recebem salário 22% menor em comparação com homens. Ainda segundo pesquisas oficiais levantadas pelo mesmo órgão, em 2016, as mulheres dedicavam, em média, 18 horas semanais a cuidados de pessoas ou afazeres domésticos, 73% a mais do que os homens.
Não é novidade, pois, que as mulheres geralmente enfrentam dupla jornada, em casa, cuidado de filhos, alimentação e limpeza, além de a jornada profissional, por exemplo.
A realidade da dupla jornada é um fator crucial para entendermos a disparidade de gênero no mercado de trabalho. Além das responsabilidades profissionais, as mulheres frequentemente assumem a maior parte das tarefas domésticas e de cuidado. Essa sobrecarga de trabalho, invisível e não remunerada, impacta significativamente na saúde física e mental das mulheres, reduzindo seu tempo livre e limitando suas oportunidades de desenvolvimento profissional.
É com esse panorama que a legislação brasileira tenta criar mecanismos, que tenham por escopo evitar qualquer discrepância salarial entre homens e mulheres.
Neste contexto, foi promulgada a Lei nº 14.611/2023, que determina mecanismos para enfrentamento da desigualdade salarial, por meio da instituição de canais de denúncias e promoção de divulgação de salários e cargos, ou seja, é o Estado implementando artifícios na luta contra a desigualdade salarial.
Sem embargo quanto aos aspectos formais da lei, sua efetividade, clareza e ainda sem esboçar qualquer juízo de valor, entende-se que as ferramentas implementadas podem de fato ajudar na luta contra as desigualdades.
Nos termos da nova lei, empresas com mais de 100 (cem) empregados, devem publicar relatório em local de fácil acesso (páginas de internet, por exemplo), a fim de permitir a comparação salarial entre homens e mulheres, além do objetivo de verificar qualquer indício de aviltamento de direitos. Isso tudo deve ocorrer com a publicação de relatórios anônimos, na tentativa de preservação do indispensável sigilo e preservação da vida privada.
Acaso constatada alguma irregularidade, a organização deverá apresentar plano de ação ao Ministério do Trabalho, sem prejuízo de sanções administrativas.
Como se trata do primeiro ano com essa imposição, não sabemos ao certo a real efetividade da medida, mas espera-se que a medida seja de utilidade na luta pela igualdade de gênero.
Como visto, a luta pela igualdade salarial é uma batalha histórica que, apesar dos avanços legais desde a Constituição, ainda está longe de ser vencida. As disparidades salariais persistem em larga escala, exigindo uma ação conjunta da sociedade para conscientizar a importância do respeito à dignidade da mulher. É necessária uma ação conjunta entre toda a sociedade civil para promover a igualdade de oportunidades e combater a discriminação salarial.