A Falência do Silicon Valley Bank (Svb) e as Repercussões Regulatórias no cenário brasileiro
O colapso do Silicon Valley Bank (SVB) é apontado como a maior quebra de um banco americano desde a crise de 2008 e a segunda maior falência bancária na história dos Estados Unidos. A sucessão de eventos que culminou com o fechamento do banco e intervenção do Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) está ligada, primordialmente, ao ciclo de aumento das taxas de juros.
Victor Terranova Venturini, Advogado da Alemida Prado & Hoffmann
O colapso do Silicon Valley Bank (SVB) é apontado como a maior quebra de um banco americano desde a crise de 2008 e a segunda maior falência bancária na história dos Estados Unidos. A sucessão de eventos que culminou com o fechamento do banco e intervenção do Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) está ligada, primordialmente, ao ciclo de aumento das taxas de juros.
Em síntese, durante a pandemia da COVID-19, os bancos americanos tiveram um grande aumento em seus depósitos. O SVB, em especial, viu seus depósitos quase dobrarem do final de 2021 para o final de 2022, passando de U$ 116 bilhões para U$ 216 bilhões de dólares.
Grande parte dos depósitos eram investidos em títulos do governo americano e títulos de hipotecas, dividindo-se em duas classificações distintas para fins de balanço: (i) HTM – held-to-maturity (mantidos até o vencimento e não são marcados a mercado, não contabilizando as perdas não realizadas); e (ii) AFS – available-for-sale (disponíveis para venda e são marcados a mercado para fins de contabilidade).
Paralelamente a esse aumento de depósitos, no intuito de conter a crescente inflação, os bancos centrais de diversos países passaram a elevar suas taxas de juros, não sendo diferente nos Estados Unidos. Assim, o aumento da taxa de juros causou a desvalorização dos títulos mantidos pelo SVB, o qual viu seus ganhos não realizados passarem para perdas não realizadas.
Além disso, o banco que anteriormente mantinha a maior parte de seus títulos com a classificação AFS, passou a classificá-los na categoria HTM para evitar que perdas não realizadas fossem lançadas em seu balanço.
Ocorre que em 08 de março o SVB emitiu um comunicado informando a venda de U$ 21 bilhões em títulos, com prejuízo de quase US$ 2 bilhões de dólares, além da intenção de captar US$ 2,25 bilhões para equilibrar as perdas. A notícia fez com que as ações do banco caíssem mais de 60% e gerou uma crise de confiança generalizada.
Iniciou-se então uma corrida bancária, com os clientes retirando seus depósitos da instituição e agravando ainda mais o problema de liquidez. Como consequência, no último dia 10, o Departamento de Proteção Financeira e Inovação da Califórnia (DFPI) decidiu pelo fechamento do banco com o FDIC assumindo seu controle.
É interessante destacar o agravamento da crise em razão do caráter nichado do SVB, o qual possuía relativamente poucos clientes, com altos investimentos e pertencentes ao mesmo ambiente negocial. Como resultado, as informações se espalharam rapidamente e aceleraram ainda mais a desconfiança de seus clientes.
No âmbito da regulação bancária, em que pese a recenticidade do caso e a ausência de estudos aprofundados, já é possível encontrar opiniões divergentes a respeito da eficiência das normas regulatórias e de eventual necessidade (ou não) de readequação.
Isso porque, uma norma de 2018 retirou a obrigatoriedade de instituições com menos de US$ 250 bilhões de dólares se submeterem aos indicadores de liquidez de curto prazo (LCR – Liquidity Coverage Ratio). Esse indicador analisa a quantidade de ativos de alta liquidez que um banco possui e a sua capacidade de suportar saídas pelo período de 30 dias.
No Brasil, por força da Resolução BCB Nº 4.401/2015, esse teste de estresse é aplicado apenas para instituições financeiras que se enquadrem no denominado Segmento 1 (S1), categoria na qual se encontram os bancos que “tenham porte igual ou superior a 10% do PIB” ou “exerçam atividade internacional relevante, independente do porte da instituição” (Resolução 4.553/2017).
A partir de então passou-se a questionar se a aplicação dos indicadores LCR no SVB teria prevenido a falência do banco. De um lado é sustentado que sim, apontando para uma falha dos reguladores em excetuar tais bancos ao teste de liquidez de curto prazo, ressaltando que o SVB representava o 16º maior banco dos EUA[1].
Por outro lado, alguns autores apontam que as mudanças regulatórias feitas em 2018 não foram as responsáveis pela quebra do banco e que a aplicação do teste LCR não produziria um efeito diverso. Nesse sentido, inclusive, aponta-se que o SVB, provavelmente, passaria no teste de liquidez a curto prazo[2]. Assim, a falência seria atribuída ao aumento das taxas de juros cumulado com a má administração do banco (além de eventuais falhas na supervisão bancária).
Diante do exposto, percebe-se que ainda é cedo para qualquer conclusão definitiva e que muito ainda deve ser analisado na seara regulatória. Contudo, a partir da falência do SVB e da experiência adquirida através de crises anteriores, é possível que sejam feitas algumas considerações, até mesmo pensando no cenário brasileiro.
É notório que a causa de uma crise financeira tende a não se repetir. Isso porque, há a propensão que os reguladores foquem seus esforços nas causas que geraram a crise anterior e sua respectiva prevenção. Entretanto, esse enfoque pode abrir espaço para novos riscos não percebidos.
Deste modo, a denominada crise do subprime (2008) atraiu o foco para grandes instituições financeiras, classificadas como “too big to fail” (muito grandes para falirem). Por consequência, os parâmetros estabelecidos nesse momento foram pensados sob esse ponto de vista.
Todavia, a partir dos acontecimentos recentes, é possível questionar-se sobre o potencial sistêmico que instituições de menor porte possuem quando combinadas. O que se testemunha no momento é uma crise de confiança que parece se alastrar por diversos bancos regionais (Silvergate, SVB, Signature e First Republic Bank), os quais não se sujeitam a processos de regulação e supervisão tão estreitos quanto os bancos maiores.
Por fim, trazendo para o cenário brasileiro, embora análises preliminares no campo econômico apontem para pouco impacto direto sobre os bancos nacionais, eventuais mudanças internacionais no quadro de regulação e supervisão bancária provavelmente incidiriam em mudanças nas normas do Banco Central (BCB), a medida em que o Brasil é membro do Comitê de Basileia (BCBS) e aplica suas recomendações ao Sistema Financeiro Nacional (SFN).
[1] https://www.ft.com/content/c95e7708-b903-405d-a017-963844eb3dc3
[2] https://bpi.com/silicon-valley-bank-would-have-passed-the-liquidity-coverage-ratio-requirement/